O mito da caverna, ou alegoria
da caverna, é uma passagem do livro VII de A República na qual Platão,
representado pela figura de Sócrates, apresenta a sua teoria idealista do
conhecimento. O filme Matrix possui uma relação próxima com o diálogo platônico.
Muitos devem conhecer o filme Matrix, mas
o que nem todos sabem é que ele contém referências filosóficas riquíssimas.
As ideias apresentadas na superprodução cinematográfica apresentam relação com
a filosofia idealista platônica, fazendo claras referências à alegoria da
caverna, de Platão.
O filme Matrix (dir.
irmãs Wachowski, 1999) narra a estória de Neo Anderson, um hacker de
computador que, por meio de invasões pela internet, descobre a existência de um
estranho programa na rede, a matrix.
Após suas descobertas,
Neo é procurado por um grupo de pessoas que se dizem hackers e
afirmam saber de uma verdade que a maioria não sabe, deixando a critério do
protagonista: optar por conhecer a verdade e mudar sua vida para sempre ou
continuar sendo enganado pela Matrix e esquecer todas as suas
descobertas. Neo Anderson decide então conhecer a verdade.
O mito
O mito da
caverna, como também é conhecido, é um diálogo platônico apresentado
no livro VII da República e tem como interlocutores Sócrates e
Glauco. Sócrates apresenta uma situação na qual escravos se encontram
presos no fundo de uma caverna com os olhos voltados apenas para o fundo
dela.
Atrás deles há uma fogueira e,
por trás dela, passam pessoas e objetos. Através do fogo, os objetos
geram sombras que são projetadas de maneira distorcida na
parede da caverna. Tudo que esses escravos conhecem até então são essas sombras
e os ecos dos sons propagados do lado de fora. Isso para eles é todo o mundo.
Em um dia qualquer, um dos
escravos consegue se soltar e caminha em direção à saída da caverna. Quando
finalmente sai, ele descobre um mundo totalmente diferente do que
conhecia antes.
Ao primeiro encontro com a luz
solar diretamente nos olhos, o escravo tem um ofuscamento da visão, que
pouco a pouco vai se desfazendo. Gradativamente, o escravo vai se acostumando a
olhar na claridade e aprendendo a contemplar esse “novo mundo”.
Então, ele decide voltar à
caverna e contar aos seus companheiros o que há do lado de fora, mas eles
certamente não o reconhecerão e não aceitarão a sua nova versão da realidade.
Diante disso, ele se encontra em um dilema: voltar e contar aos outros,
que podem julgá-lo como louco e até matá-lo, ou ficar e contemplar um novo
mundo sozinho?
Como relacionar as duas obras
A professora Marilena
Chauí 1, do departamento de Filosofia da USP, escreveu um
excelente texto didático explorando as relações do filme Matrix com
o diálogo de Platão.
Este texto está publicado no início do livro Convite
à filosofia.
Neo Anderson, o protagonista
do filme, é a figura do escravo que consegue se libertar da caverna. Esse
escravo liberto da caverna representa o filósofo. O filósofo é quem consegue se
livrar da prisão que mantém os homens escravos da percepção, dos sentidos, e
que por eles são enganados.
Libertar-se da caverna significa,
em uma linguagem platônica, acessar o famoso mundo das ideias, que
seria um lugar onde os homens estariam livres dos enganos, mantendo-se em
contato, por meio do pensamento, com as essências puras das coisas do mundo.
Para Platão, o conhecimento
verdadeiro advém das ideias puras e do intelecto. Todo
conhecimento advindo das sensações do corpo é enganoso. Neo, assim como o
escravo liberto, descobre haver uma realidade totalmente diferente daquela em
que acreditamos. No filme, o responsável pelo nosso engano é o software
Matrix.
A Matrix foi
projetada para manter os humanos na “doce ilusão” de viver nesse mundo cheio de
conforto e prazeres, quando na verdade o mundo foi completamente destruído.
Nessa narrativa, os homens na verdade vivem como fetos estáticos imersos no
útero (matrix em latim significa “útero”) enquanto possuem uma
atividade cerebral intensa que propicia a vida que eles acreditam ter.
Sócrates é
considerado o “patrono da Filosofia” – isso porque, segundo Chauí1,
ele jamais se contentou com opiniões estabelecidas, os preconceitos de sua
sociedade ou as crenças não questionadas de seus conterrâneos. Ele foi um
inovador, querendo romper com as crenças costumeiras e procurar a verdade por
trás das coisas.
Sócrates descobriu que há uma
“matrix” ou uma “caverna” que a todos nós aprisiona e engana. Ele
defendeu que a saída dessa caverna é buscar o conhecimento,
deixando de lado as crenças vulgares, os preceitos sociais, os preconceitos,
dogmas, a cultura imposta ou qualquer outro elemento que possa impedir o homem
de acessar o puro conhecimento. Conquistando esse saber, o homem consegue sair
da escravidão, da servidão que o aprisiona.
A realidade é desagradável
Sair da Matrix é
extremamente doloroso e desagradável no início. A vida proporcionada pelo
programa é divertida, confortável, prazerosa e aconchegante. Como trocar uma
bela paisagem com pessoas se divertindo, comendo bem, pelo seu oposto? A
realidade fora do software é dura e de difícil adaptação.
Podemos nos lembrar da cena
do filme em que Neo sai pela primeira vez do programa e compará-la ao
momento no qual o escravo sai da caverna pela primeira vez. A primeira reação
do escravo é um ofuscamento desagradável na visão, até que ele finalmente se
acostuma com a luz.
Neo, ao se “desconectar”,
enxerga os desprazeres da vida real e, até que sua mente e seu corpo aceitem a
desconstrução de tudo que ele tinha por verdadeiro, passa por muito sofrimento.
A verdade é libertadora
Saber a verdade é essencial
para nos libertar da condição de escravos. É feliz quem é livre. E, mesmo que a
ignorância seja confortável e aparentemente melhor, devemos superá-la. Somente
assim podemos ter consciência de nós mesmos e do mundo a nossa volta, participar
dele, questioná-lo, entendê-lo e modificá-lo. Saber a verdade nos permite
emancipação como cidadãos. Confira como Sócrates, na condição de interlocutor
em A República, de Platão, encerra o diálogo:
O antro subterrâneo é o mundo
visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região
superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes,
já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus
sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos
extremos limites do mundo inteligível está a ideia do bem, a qual só com muito
esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa
universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível,
autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por
isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios
particulares e públicos (PLATÃO, em A república).
|1| CHAUI,
Marilena.Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2005, p.9.
Por Francisco Porfírio
Graduado em Filosofia
Graduado em Filosofia
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