terça-feira, 27 de setembro de 2022

O que é democracia?

 


O que é democracia? É um modelo político originado na antiga Grécia, mas que teve em seu desenvolvimento moderno a sua principal condição de adaptação mundial.

Sabemos que a palavra “democracia” nasceu na Grécia, especificamente na cidade-Estado de Atenas, no período clássico, sendo composta pelos radicais “demos” e “kratos”, que significam, respectivamente: “povo” e “governo”. Em linhas gerais, a democracia é definida, desde a antiga Grécia, como “governo do povo”, ou “governo popular”, em contraposição a outras formas de governo, que também remontam à Idade Antiga, como a aristocracia, a monarquia, a diarquia, a tirania, a oligarquia, entre outros. Entretanto, quando pensamos em democracia no mundo contemporâneo, algumas nuances devem ser feitas.

  • Democracia moderna

A democracia moderna, tal como a concebemos hoje, isto é, pautada em ordenamentos jurídicos e instituições políticas sólidas, que representam os três poderes (ExecutivoJudiciário e Legislativo), só se tornou possível após a derrocada do Antigo Regime Absolutista, na transição do século XVIII para o século XIX. Com a Revolução Francesa e, depois, a Era Napoleônica, surgiram na Europa alguns dos alicerces do que viria a ser o nosso modelo de regime democrático: a formação de grandes centros populacionais, em virtude da Revolução Industrial; a noção de povo associada a uma nação; a soberania política da nação passou a ser vinculada a esse povo, e não mais ao rei; e a instituição do voto, ou sufrágio universal, como parte do sistema representativo direto.

  • Diferenças entre a democracia ateniense e a democracia moderna

democracia desenvolvida em Atenas não era considerada o melhor dos governos possíveis (como é hoje o nosso modelo de democracia), e isso por um motivo razoavelmente simples: apenas uma fração mínima dos “homens livres” integrava a vida política de Atenas. Mulheres, escravos, estrangeiros e outras categorias sociais não tinham direito de participar das deliberações da Assembleia (Ekklesia). A experiência da democracia ateniense tinha como preocupação fundamental, antes de qualquer coisa, evitar a tirania – pior forma de governo para época. Do mesmo modo, a forma de governo aristocrático também cumpria esse papel.

Outra diferença importante da democracia grega para a nossa é ressaltada pelo pesquisador Robert A. Dahl. Vejamos:

Também acrescentamos uma instituição política que os gregos não apenas consideravam desnecessária para suas democracias, mas perfeitamente indesejável: a eleição de representantes com autoridade para legislar. Poderíamos dizer que o sistema político inventado pelos gregos era uma democracia primária, uma democracia de assembleia ou uma democracia de câmara de vereadores. Decididamente, eles não criaram a democracia representativa como hoje a entendemos. [1]

A Ekklesia, assembleia grega, era um modelo de instituição política bastante restrito. Como Dahl ressalta, era uma espécie de democracia primária, em termos de representatividade, um “embrião” do que viria a ser a democracia representativa na sociedade de massas.

NOTAS

[1] DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. p. 117.


Por Me. Cláudio Fernandes



Fonte: Brasil Escola - https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-democracia.htm

 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Afinal, para que existe a Bíblia?

 


Sabemos que, para cada coisa, existe um instrumento adequado ou a melhor ferramenta. Você não tentaria esquentar uma pizza no freezer ou usar uma faca para cortar as unhas. Também para o estudo, esta é a primeira e uma das mais importantes perguntas a se fazer: qual é o material que eu preciso para entender determinado assunto? Ou, do que se trata este livro?

E, mesmo que seus assuntos sejam diversos e abrangentes, sempre deverá existir uma boa definição identificando o que realmente se trata, qual o seu escopo ou foco principal. Por exemplo, encontramos lindíssimas reflexões em Fernando Pessoa, como: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce” e “a Cruz no alto diz, que o que me há na alma e faz em mim a febre de navegar, só encontrará de Deus na eterna calma, o porto sempre por achar”. Nem por isso podemos dizer que suas obras são espirituais ou tratam de espiritualidade. É poesia, são obras poéticas.

Pensando nisso, pode-se perguntar: do que se trata a Bíblia, afinal de contas? Qual seu escopo, qual seu objetivo final e propósito? Hugo de São Vítor o define assim:

“A matéria [o assunto] das Sagradas Escrituras consiste na obra da restauração (…) [que] é a Encarnação do Verbo com todos os seus mistérios, seja aqueles que o precederam desde o início dos séculos, seja aqueles que o seguirão até o fim do mundo.”

Isto é, todos os livros da Bíblia estão focados na salvação e santificação do ser humano. Isso só foi possível por meio da história e só é possível atualmente, na vida de cada um de nós, por causa da encarnação do Verbo e de tudo que está relacionado à humanidade e divindade de Cristo, caminho, verdade e vida (Jo 14,16).

A Bíblia está focada na salvação do ser humano

Indo mais fundo, cada página, cada palavra, cada história narrada está ordenada para este objetivo último de santificação e salvação. Um livro espiritual que transmite espiritualidade através da Verdade Revelada. E, como vimos no artigo “Os sentidos espirituais da Palavra de Deus”, estas altíssimas verdades espirituais também podem ser fatos históricos (sentido literal), nos ensinam a viver bem entre irmãos (sentido moral), abrem nosso entendimento para enxergar além da realidade que nos cerca (sentido alegórico) e nos explicam realidades da vida celeste (sentido anagógico).

Se os livros bíblicos existem para nos levar à santificação nesta vida e à salvação eterna como consequência natural disso, fica claro o porquê de os sentidos espirituais da Palavra de Deus deverem ser buscados e o motivo de serem tão importantes. Na verdade, o sentido espiritual é tão importante que, às vezes, o sentido literal é deixado de lado e a leitura se torna confusa ou um pouco irreal.

Por causa de maus pregadores e péssimos estudiosos, é comum que, ao se depararem com trechos bíblicos aparentemente confusos, contraditórios e, até mesmo ofensivos, ouvirmos explicações como: “Não era bem isso que o autor sagrado quis dizer… Naquela época, isso parecia normal para as pessoas… No original não está assim, é que não existe uma boa tradução para este caso”.

Há um profundo mistério envolvido em cada trecho bíblico

Podemos respeitar a opinião de todos, mas é sempre bom nos alinharmos com os verdadeiros doutores da Igreja, os que foram testados em sabedoria e santidade. Afinal, também vimos, no artigo anterior, que a Bíblia é um livro selado e somente o Cordeiro o abre e o dá a conhecer a quem Ele ama, seus santos. Deus nos convida à santidade e, somente através dela, temos um verdadeiro encontro com ele: “Eis que estou à porta e bato, se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei nele e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3, 20).

Santo Agostinho explicava que, ao se deparar com um trecho obscuro e aparentemente absurdo nas Sagradas Escrituras, deveríamos redobrar a atenção: existe uma verdade espiritual profunda ali. Um ensinamento e um mistério que nos abre as portas para a santificação. Para ficar mais claro, examinemos dois exemplos:

O desejo da Sabedoria

No primeiro, Jacó, após trabalhar sete anos para ter o direito de se casar com Raquel, passa a noite de núpcias com Lia, irmã dela, e só nota o engano promovido por seu sogro Labão, no dia seguinte (Gn 29, 20-27).

Interpretada literalmente, a narração beira o absurdo. Que homem, amando profundamente uma mulher ao ponto de se sujeitar a sete anos de trabalho por ela, não reconheceria uma troca destas na noite de núpcias? Deixemos as explicações simplórias ou as desculpas que denigrem a Palavra de Deus. Siga Santo Agostinho: que verdade importante e misteriosa há aí que só os que buscam a santidade veem? Ouça Hugo de São Vítor: o assunto das Sagradas Escrituras sempre é a obra da restauração do homem caído pelo pecado.

Um discípulo de Hugo, chamado Ricardo de São Vítor (1110-1173), explica que esse equívoco grotesco acontece não somente com Jacó, mas com todos aqueles que buscam a Santidade. De fato, Raquel é o símbolo da Sabedoria e todos passam a desejá-la assim que percebem a sua existência através da conversão pessoal. A Bíblia é explícita em dizer que “Jacó serviu por Raquel sete anos, que lhe pareceram dias, tão grande era o amor que lhe tinha” (Gn 29,20).

Não há santidade sem busca das virtudes!

Quem lê a Palavra e não deseja encontrar as revelações de Deus? Quem não quer sua sabedoria? No entanto, ao se direcionar à busca da santidade, essa não lhe é dada facilmente. Existe luta, suor, dedicação (representada pelos sete anos de trabalho) e, finalmente, nunca haverá santidade sem que antes haja a conquista das virtudes. Essa é Lia! A irmã mais velha da Sabedoria é a Virtude. E não existe encontro íntimo com a santidade, sem antes um verdadeiro casamento com as boas obras.

Como todo homem que quer ser legitimamente santo (casar-se com Raquel), Jacó precisará primeiro possuir a virtude (casar-se com Lia). Ou todo aquele que deseja ardentemente a sabedoria de Deus precisa entregar-se à guerra interior (os sete anos de trabalho) de dominar as suas paixões e vícios, possuir a virtude (unir-se com Lia), para depois ter direito à Sabedoria almejada (unir-se com Raquel).

Santificar-se é unir-se ao Cristo

No segundo exemplo, vemos Rute, a moabita, que, após ficar viúva, seguiu sua sogra, também viúva, para a terra de Israel (Rt 1,14). Embora todo o livro de Rute tenha um conteúdo alegórico maravilhoso, existe um trecho que é uma verdadeira pedra de tropeço para aqueles que não contemplam o sentido espiritual da Bíblia e seu retrato-estímulo para nossa santidade e salvação.

Rute narra à sua sogra Noemi o acolhimento que teve por parte de Booz, senhor de muitas terras em Belém, dizendo que ele permitiu que ela andasse recolhendo as espigas caídas no chão para que as duas não passassem fome. Logo após, recebe um conselho inusitado de sua sogra. Noemi recomenda que ela tome um banho, coloque seu melhor vestido, espere o senhor Booz estar bem satisfeito com a comida e bebida, deitar-se para dormir, para que a moça, sorrateiramente, levante a coberta de seus pés e deite-se naquele lugar. O objetivo? Booz acordaria e encontraria Rute deitada aos seus pés, debaixo de sua coberta. A partir daí, a moça deveria fazer o que ele dissesse (Rt 3,1-9).

Deixemos de lado as desculpas de que “se fazia assim em Israel naquele tempo”, porque não é verdade nem lá e nem em lugar nenhum. A evidente falta de lógica na situação nos leva a pensar: isso é símbolo de quê? Se, como vimos, a Palavra de Deus trata prioritariamente da restauração e santificação humana, por que um livro inteiro para mostrar como foi gerado o avô do rei Davi, Obed, filho de Rute e Booz (Mt 1,5)?

A alma obediente de Rute

Uma das interpretações espirituais dos santos padres dos primeiros séculos, recolhida e sistematizada pelos teólogos da Abadia de São Vítor, em Paris, no século XII, é que o livro retrata a alma obediente (Rute), que parte em busca de Cristo (Booz).

Ela conta a história de Rute, nome que traduzido significa “a que se apressa”. Rute é orientada por Noemi, ou “formosa”, pois é o pregador que tem a beleza das virtudes e orienta a alma. É designado por uma mulher porque assim como as mulheres geram filhos, os que ensinam a Palavra geram almas para Deus.

Na passagem em questão, a alma obediente ao diretor espiritual que a orienta lava-se do seus pecados, veste-se com os vestidos das virtudes e boas obras e vai ao encontro do Cristo. Mas, por melhor que se prepare a alma, ela nunca estará a altura da dignidade do seu salvador. Por isso, deve esperar que o Cristo esteja saciado em cumprir a vontade do Pai, pois Ele mesmo diz que esta é sua comida e sua bebida (Jo 4,34). Só então, percebendo que o Salvador vê seu esforço pelas boas obras e entendendo que está saciado ao ver o Reino de Deus que se propaga, a alma pode se aproximar.

A sabedoria é o próprio Cristo

Mas não de qualquer maneira, não de igual para igual. Investigando humildemente o mistério da nossa redenção operada pela encarnação do Verbo, simbolizada por deitar-se aos seus pés (o membro mais próximo da terra) e aguardando que Ele a veja e a oriente devidamente. O objetivo final? A união plena com Cristo ou, como chamava Santa Teresa d’Ávila, o matrimônio espiritual.

Claro, não podemos esquecer que os sentidos espirituais estão baseados no sentido literal e o pressupõe, como tão bem determinou Santo Tomás de Aquino. Tão perigoso quanto acreditar que a Bíblia é somente um livro histórico com a narração de fatos que ocorreram a, pelo menos, dois mil anos, é ignorar seu sentido literal, inventando sentidos espirituais inexistentes. Por isso, a chave espiritual da Bíblia sempre será o encontro pessoal e profundo com Cristo, a verdadeira porta (Jo 10,9).

Fica, portanto, o convite para se unir com Lia, antes de chegar a Raquel. E de seguir os conselhos de Noemi, para finalmente encontrar-se com Booz. Recusando a vida de pecado e buscando com afinco a vivência das virtudes chegará o momento de desposar a Sabedoria, que é o próprio Jesus Cristo.

Fonte: https://formacao.cancaonova.com/biblia/historia/afinal-para-que-existe-biblia/

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Tem cuidado de ti mesmo

 


“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (I Tm 4,16).

Você tem cuidado de você mesmo? Tem olhado para si e percebido do que precisa para seguir na caminhada?

Nos tempos de hoje, sempre cheio de atividades, o risco de nos perdermos é grande. O trabalho, a família, os compromissos sociais, inclusive religiosos, nos fazem ir de uma lado para o outro e a ter de fazer muitas coisas. Nessa mistura de coisas e atividades está você, então, é preciso cuidado e atenção!

Do que é que você realmente precisa? Você costuma fazer essa reflexão? Tenha cuidado para não ir somente atrás dos seus instintos. Normalmente, podem te levar ao que só te dá prazer e satisfação momentâneas. É aí que entram, principalmente, os pecados capitais: gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e orgulho. Esses pecados nos levam ao desequilíbrio emocional, espiritual, humano e enfraquecem nosso caminhar.

Fique atento a você mesmo! Busque a graça de Deus para descobrir o que vai te fazer bem. Atividade física, uma boa leitura, descansar e dormir bem, alimentação equilibrada etc. Sobretudo, se você percebe que tem sido difícil ter uma vida mais harmoniosa, procure ajuda na Igreja e também com bons profissionais. Mas tome cuidado de ti mesmo. Não se deixe levar pelas ondas do mundo. Lembre-se: Deus está contigo e te quer bem!

Fonte: https://mensagem.cancaonova.com/mensagem-do-dia/tem-cuidado-de-ti-mesmo/

 

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

São Jerônimo e a tradução da Bíblia

 


Há um conhecido ditado italiano que diz: “Traduttore, traditore”, isto é, “tradutor, traidor”. Ele deixa explícito, de um jeito mordaz, a principal dificuldade de um tradutor: permanecer fiel ao texto original. Afinal, para ser fiel ao sentido, às vezes, é necessário sacrificar o estilo do autor e vice-versa.

Enfim, não existe tradução sem escolhas que, por sua vez, resultam em maiores ou menores perdas. Obviamente, a perda do sentido original é o que faz valer a comparação de um tradutor com um verdadeiro traidor: sob o pretexto de tornar a obra conhecida em outras línguas, acaba-se gerando novos sentidos ou embaralhando os existentes.

O que dizer então da tradução dos 73 livros que compõem a Bíblia Católica? Cada qual possuindo, além dos sentidos literais e históricos afastados de nós em pelo menos dois milênios, sentidos espirituais profundos, acessíveis somente àqueles que fazem a experiência da vida em santidade.

Tamanha empreitada precisaria de um homem cultíssimo e santo, que gastasse sua vida e suas orações no intuito de não ser um traidor, mas um verdadeiro intérprete. Quis a misericórdia de Deus providenciar um homem assim, que hoje nós conhecemos como São Jerônimo.

Tradução autêntica

Mas como e por que nasceu a única tradução da Bíblia, a Vulgata Latina, reconhecida como autêntica por um Concílio da Igreja, o Concílio de Trento (1546-1563)?

O Antigo Testamento, escrito originalmente em hebraico (com uma pequena parte em aramaico), e o Novo Testamento, escrito em grego, foi traduzido para a língua latina para atender a Igreja de Roma e, com o Edito de Milão (313 d.C.), todo o Império Romano.

No entanto, durante o pontificado do Papa Dâmaso (366-384 d.C.), já existiam três versões da Bíblia em latim: as versões de Áquila, Símaco e Teodocião. Discordantes entre si, mesmo nos textos do Novo Testamento, utilizavam, para o Antigo Testamento, a versão traduzida para o grego “dos Setenta” ou Septuaginta, ou seja, uma tradução da tradução.

Essa versão dos setenta sábios hebreus foi realizada a pedido do rei Ptolomeu do Egito (1 século antes de Cristo) e gozava de uma aura quase mística: setenta e dois sábios judeus traduziram, de forma solitária e independente, em celas separadas, os livros sagrados dos hebreus do hebraico para o grego e, quando confrontaram as cópias, as traduções eram idênticas!

São Jerônimo contesta essa versão em sua “Apologia contra os livros de Rufino”, dizendo que, além de não existir documento que comprove essa narrativa, existem outros que atestam “que, reunidos em uma mesma residência real, eles conferenciaram”, isto é, o que seria um procedimento normal numa tradução de tamanha envergadura: vários tradutores discutindo entre si qual seria a melhor tradução para cada passagem.

Críticas à tradução da Septuaginta

No entanto, essa reconhecida tradução da Septuaginta não era isenta de críticas. Muitas citações dos livros hebraicos feitas pelos Apóstolos nos livros do Novo Testamento (e até pelo próprio Cristo nos Evangelhos) não apareciam na versão “dos Setenta”. São Jerônimo diz claramente que:

“Certamente, os apóstolos e os evangelistas conheciam os Setenta tradutores. Mas de onde vem que eles citam esses textos que não se acham nos Setenta? O Cristo, nosso Deus, autor de dois testamentos, declara no Evangelho segundo São João: ‘Aquele que crê em mim, ele diz, conforme diz a Escritura, de seu interior fluirão rios de água viva’ (Jo 7,38). Com toda a certeza está escrito aquilo que o Salvador testemunha que foi escrito. Onde está escrito? A edição dos Setenta não tem este texto…”

São Jerônimo ainda cita mais 5 passagens que são referências das Sagradas Escrituras, nos textos do Novo Testamento, que não são encontrados na tradução dos Setenta. Qual seria o motivo? Segundo ele, investigou entre os sábios hebreus do seu tempo:

“Os judeus dizem que se agiu por medida de prudência, de modo que Ptolomeu, que cultuava a um só deus, não surpreendesse mesmo junto aos hebreus uma dupla divindade, os quais ele tinha em muito alta estima porque pareciam cair no dogma de Platão. Com efeito, onde quer que a Escritura ateste algo sagrado sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, ou eles traduziram diferentemente ou então eles guardaram um silêncio absoluto, de modo a satisfazer ao rei e não divulgar o segredo da fé.”

As profecias que se cumpriram

Outro grande motivo que levou São Jerônimo a traduzir diretamente do hebraico para o latim, e não utilizar a versão dos Setenta, é que essa versão tinha sido feita um século antes de Cristo, quando não havia ainda ocorrido todos os fatos históricos referentes ao Messias predito nos textos sagrados.

Uma coisa é traduzir fatos que constam em forma de profecias e ainda não se realizaram. Outra, completamente diferente, é traduzir profecias que, devido à Paixão e Ressurreição de Cristo, se tornaram também fatos históricos. Ou, como mesmo disse São Jerônimo: “Aquilo que melhor entendemos também exprimimos melhor”.

Nem passou despercebido por ele que, com a destruição de Alexandria (48 a.C.), a própria tradução “dos Setenta” possuía quatro ou cinco versões diferentes em uso pelas diversas Igrejas Cristãs.

Qual seria a mais fiel?

Para resolver todas essas dificuldades, a partir de 386 d.C., São Jerônimo passa a morar numa gruta em Belém. Gastava seus dias e noites em orações e na tradução da Bíblia. Aproveitou-se do seu excelente domínio do latim, do grego e do hebraico. E para aprender esse último idioma, ele mesmo diz em sua Carta 125: “quantas fadigas isso me custou; quantas dificuldades enfrentei; quantos desânimos precisei superar” (…).

Não foram 34 anos fáceis até a sua morte em 30 de setembro de 319 d.C. (ou 320). Enfrentou crises na Igreja local de Jerusalém; e críticas e mais críticas sobre suas traduções. Note-se que recebeu críticas até mesmo de Santo Agostinho, com quem correspondia regularmente, incomodado pelas diferenças entre a Vulgata e a Septuaginta. Divergências que foram superadas em favor do santo anacoreta de Belém.

É importante salientar que, São Jerônimo não criticava a Septuaginta. Reconhecia a sua importância e constantemente alegava em sua defesa o seu caráter de “encomendada” pelo rei do Egito: “Donde eu suponho que naquele momento os Setenta não quiseram revelar aos pagãos os mistérios de sua fé, para não dar aos cães o que é santo, nem pérolas aos porcos”. Mas defendia firmemente a necessidade de uma tradução que fosse muito mais fiel ao texto hebreu original e, principalmente, à tradição passada pelos Apóstolos e Evangelistas.

Tradutor ou traidor? Muito mais que um tradutor, um santo que buscava verdadeira inspiração antes de traduzir. Papa Clemente VIII, ao se deparar com a magnitude de sua obra, disse: “Jerônimo foi assistido e inspirado pelo Céu para traduzir as Sagradas Escrituras”.

Embora, nos séculos XX e XXI, tenha crescido enormemente os conhecimentos filológicos que levaram muitos a realizarem novas traduções a partir dos originais dos textos sagrados, multiplicando as versões da Bíblia, podemos ainda perguntar: “Contam também com a inspiração do Espírito Santo? Traduttori, traditori?”.

 Fonte: https://formacao.cancaonova.com/biblia/historia/sao-jeronimo-e-a-traducao-da-biblia/


Feliz Ano Novo!

 É hora de receber o  Ano Novo  com alegria e esperança no coração. De deixar o ruim no passado, e abraçar o futuro com otimismo. Vamos faze...